Havia uma cidade pequena, porém muito bonita. Era um lugar próspero, de fazendeiros, de vida feliz e sossegada.
Certa manhã, um bando de cangaceiros chegou de repente ao lugar. Foi um alvoroço. Num instante, a população desapareceu das ruas. As janelas se fecharam e as portas se trancaram. O chefe dos cangaceiros bateu na porta da casa mais rica da cidade. Como não tinha outro jeito, o dono da casa veio saber o que ele desejava.
- Nós não queremos fazer mal a ninguém, disse o chefe dos cangaceiros. Estamos precisando de mantimentos e sabemos que aqui há bastante. Ainda sobrará muito para vocês.
O fazendeiro prometeu que conversaria com outros homens ricos do lugar, a fim de conseguir a quantidade que o cangaceiro desejava. O cangaceiro concordou em esperar até o dia seguinte.
Tudo deu certo, os mantimentos foram entregues e o bando tratou de partir. O que os cangaceiros não sabiam era que o fazendeiro aproveitara para lhes preparar uma cilada. Combinara com seus amigos para atirarem neles pelas costas, quando estivessem de partida. E assim foi feito. Mal os cangaceiros deram as costas, várias janelas se abriram, surgindo uma porção de espingardas. Muitos cangaceiros caíram mortos e o resto fugiu em disparada.
O chefe deles ficou louco da vida. Enquanto ele cumpria sua palavra de não fazer nenhum mal aos habitantes, o fazendeiro lhe fizera tamanha traição!? Mas não ia ficar assim. O traidor e seus amigos que esperassem. A vingança não tardaria.
Os meses foram passando e o fazendeiro não perdia oportunidade de se vangloriar de sua esperteza.
Ele estava almoçando sossegadamente, quando ouviu um tiroteio e uma gritaria tremenda. Correu para a rua. Eram os cangaceiros. Tinham se organizado de novo e estavam de volta para a vingança. Trancou a porta o melhor possível e transmitiu as novidades à sua família, que estava apavorada.
Nisto, a porta da casa foi violentamente sacudida e logo veio abaixo. Os cangaceiros entraram de espingarda na mão e o fazendeiro caiu de joelhos:
- Por favor, não me matem! Fiz aquilo sem pensar!
O chefe dos cangaceiros olhou-o, com desprezo:
- A morte é pouca vingança para o que você fez. Tem de sofrer mais, muito mais!
O fazendeiro tinha dois filhos gêmeos, de três anos, e vendo-os, o cangaceiro teve uma idéia:
- Vamos ver se você é homem! Escolha! Ou você vai com a gente para a caatinga, onde receberá o que merece, ou entrega um de seus filhos para que ele se torne um cangaceiro.
Pela cabeça do fazendeiro passaram as terríveis torturas que o aguardavam. Olhou para os gêmeos, Lucídio e Deodato, suou, pensou e resolveu:
- Leve um dos meus filhos.
A mãe agarrou-se às crianças, mas de nada adiantou. Os cangaceiros pegaram um dos meninos e saíram. O chefe deles gritou da porta:
- Você vai sofrer a vida inteira, sabendo que seu filho está sendo transformado num homem igual àqueles que foram traídos por você. Um homem tão importante, com um cangaceiro na família! Já pensou?
Foram embora levando o Lucídio.
A profecia do cangaceiro realizou-se rapidamente. O caso correu de boca em boca e ninguém queria saber mais do fazendeiro. Que homem era aquele? Entregar um filho para salvar a própria pele! Mesmo sua mulher não tinha mais coragem de olhá-lo no rosto. E ele sofria. Seu filho que ficara, o Deodato, também já não era o mesmo. Escapava dos braços do pai, vivia agarrado à saia da mãe.
De vez em quando, não agüentando mais aquela tortura, o fazendeiro explodia:
- Que culpa tive eu? Havia outra solução? Sei que o menino está vivo! E eu? O que teriam feito comigo?
A mulher nada respondia. Baixava a cabeça e chorava.
E o tempo foi passando. Para a população, o caso já era fato esquecido, mas nunca haveria de ser para o fazendeiro e sua mulher. Deodato, agora com catorze anos, não mais se lembrava. Sabia do caso por ouvir contar.
Embora o fazendeiro, muito envelhecido pelo sofrimento, quisesse fazer do filho o seu sucessor, o mocinho não concordava. Desejava ser vaqueiro, atravessar aquelas caatingas, correndo atrás do gado, conhecer novos lugares, dormir à luz das estrelas. E, realmente, tornou-se um vaqueiro, aumentando ainda mais, sem querer, o desgosto do velho. Tornou-se tão bom vaqueiro, que sua fama correu por toda a região. Não havia cavaleiro igual.
Uma noite, quando ele dormia na caatinga, teve um sonho esquisito que o deixou preocupado. Sonhou com um velho vaqueiro, de pele curtida pelo sol e vestido com a indispensável roupa de couro, envolto por uma luz azul muito suave, que lhe disse:
- Sou o rei de todos os vaqueiros. Sempre desejei confiar meu cavalo mágico a um bom cavaleiro, mas nunca achei um que merecesse. Você, porém, é digno do meu desejo. Siga em frente. Ao anoitecer, encontrará um cavalo avermelhado, que dará três relinchos quando você se aproximar. Pode montar nele, que será seu. Mas tome cuidado: ele não corre, voa. E não aceitará outro cavaleiro, nunca. Só você.
Tão logo amanheceu, ele contou o sonho aos companheiros. Todos riram e um lhe disse:
- Isso é que é ser vaqueiro. Até dormindo ele pensa em cavalo!
Seguiram levando a boiada. O dia transcorreu como os outros. Quando começou a anoitecer, um dos vaqueiros comentou:
- Olhem que engraçado, aquele cavalo pastando sozinho. Deve ter fugido.
Deodato viu um belo cavalo avermelhado, destacando-se contra a luz do poente. Lembrou-se do sonho. Qual! Era apenas um sonho! Propôs aos amigos.
- Vamos ver se a gente pega aquele bicho?
Os amigos não concordaram e foram apeando para passar a noite. Estavam cansadíssimos.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
O Vaqueiro Voador - Mitos e Lendas
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